quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
HAPPY CITY
Ultimamente aprendera a redescobrir o Chiado, que fora em tempos reduto das suas memórias de infância, quando palmilhava as suas ruas e lojas, onde encontrava então as novidades que empolgavam a sua curiosidade e vaidade de criança.
O cheiro da Lisboa desses tempos ficou para sempre retido na sua memória e nos seus sentidos. O das flores do Rossio, dos perfumes da Loja das Meias, que descia consigo a Rua Augusta, do café moído na torrefação da Graça, que a acompanhava nos passeios pela Feira da Ladra, dos sabonetes Feno de Portugal, que levava para casa, em miniatura oferecida pelo velho empregado de armazém.
A Lisboa desses tempos tinha para si um outro encanto, mais simples e diferente do actual.
Nesses tempos, por diferentes razões, saía à rua mais cedo e tinha maior contacto com os cheiros que se sentiam. O das manhãs de Verão, quando as ruas ainda cheiravam apenas a natureza, antes que o movimento diário o ocultasse, era inconfundível.
O diferente ritmo a que se vivia então, permitia apreciar os cheiros mais simples e banais, que a poluição ainda não contribuía para ocultar.
O Chiado de hoje oferece outras razões apelativas para lá voltar, sempre com o mesmo prazer, ou não fizesse parte de Lisboa, e não tivesse lojas, restaurantes, teatros, hoteis, actuais a justificarem redobradamente a sua presença. Mas nas ruas já não se sentem os cheiros de outrora. O do café foi guardado num beco, dentro de máquinas requintadas promovidas pelo actor da moda que as ajuda a vender, polvilhadas de charme e sedução.
Nas ruas já não há flores e por precaução já não há vasos com craveiros nas janelas.
Os anos foram apagando das ruas esses cheiros que depois passaram a estar registados apenas na sua memória. Os bons e os maus. Estes, que os requintes a que se foi rendendo acabaram também por apagar do registo diário do seu olfalto... e que, vá-se lá saber porquê, aparecem muitas vezes ligados ás viagens em transportes públicos. « Cheiros a gente mal lavada »; a naftalina, no Inverno, a suor no Verão....cheiros repetidos em cada dia, que a azáfama diária não permitia depreciar...
Há muito que o seu cheiro passou a ser, assumidamente, o do seu perfume e creme corporal, e dos estofos de cabedal do automóvel em que passou, por norma, a deslocar-se, e que a conduz, indistintamente, para a esquerda ou para a direita, consoante o rumo da sua vida e o destino que se propõe alcançar, guiada apenas pelos seus ideais avessos a qualquer cor politica.
Deitou-se tarde e, depois de um jantar que entrou pela madrugada, e de uma tarde passada no Chiado actual, vieram-lhe à memória todos esses cheiros de outrora.
Adormeceu já a manhã raiava e acordou, com o despertador, duas ou três horas depois. Ligou o rádio, quando o carro a começou a conduzir pelo caminho habitual... « Lisboa vai ter autocarros com cheiro. São 20 os novos autocarros da Carris, com cheiro a cravo, manjerico, canela e maresia»- foi a noticia de abertura do noticiário das 9h. Só podia ser ideia de alguém saudosista, que resolveu fechar dentro dos autocarros as memórias e combater, de uma assentada, o « cheirinho a sovaco », quiçá para gaudio próprio e de mais um grupo de moços das gerações de 70 ou 80, porventura com uma mãozinha da Catarina Furtado,por força do novo programa da RTP.
Quando passou pela paragem, um grupo de pessoas, que corria atravessando incautamente a estrada, fê-la travar repentinamente, para lhes dar passagem. Alguns ainda conseguiram acotovelar-se e entrar no autocarro, onde depois foram arrumados, uns agarrados aos outros... os demais ficaram na paragem, durante largos minutos, a inventar desculpas para dizer ao chefe... e a apurar o olfato....
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2 comentários:
Bem aqui está uma futura seguidora e suas amigas. Muitos beijinhos Joana
É bom sabermos que temos jovens artistas a ler os segmentos de inspiração que aqui partilhamos com quem nos descobre
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