sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Postal de um Natal Alentejano
O carro dá a curva e a primeira casa branca (que por acaso é a igreja da terra, pois também as há no Alentejo) desponta por entre os sobreiros. Chegámos a esta pequena aldeia alentejana artilhados para passar um Natal de estalo, com direito a menino Jesus e tudo.
Os preparativos tinham sido simples – apenas o necessário para encher o carro de banheiras, carrinhos, mudas de roupa intermináveis, cremes para isto e para aquilo, Ben-u-ron, babetes, biberons, papinhas, etc, etc…. A juntar a isto as prendas para os tios, primos, avós e amigos, nestas partes conhecidos por “Ti”.
No percurso, a paisagem tinha apresentado o Alentejo em todo o seu esplendor e os dias que se seguiram não o desmentiram – o sol brilhou e as cores vibrantes do campo, com as searas ainda em crescimento, contrastavam com o azul límpido do céu. Portugal tem destes dias de Inverno com sol inigualáveis.
O presépio estava montado à entrada da aldeia, lembrando a quadra – uma Nossa Senhora algo matrona, um São José com um ar resignado, um burro e uma vaca com ar de quem estava ali a fazer um biscate. O menino Jesus era um simples boneco Nenuco, já velho e sem alguns membros, numa escala muito menor que as restantes figuras, como se o original tivesse sido roubado sendo aquela figura um substituto de última hora. A mão esquerda da Virgem, fosse porque se partisse ou por uma vontade sobrenatural de dar uma festa ao seu filho abençoado, encontrava-se agora deitada nas palhinhas. Numa nota mais pagã, umas luzes coloridas colocadas à entrada da rua principal, que passa junto à Sociedade Recreativa, desejavam aos poucos moradores e ainda mais escassos visitantes as Boas Festas.
Os moradores passam o Natal de forma simples. A média de idades ronda os 70 e muitos passam mesmo esta quadra sozinhos a cavar as suas hortas e a dar de comer aos animais. A família está longe a fazer pela vida e o Ti Fortunato, a Ti Rosa, e os outros Tis aquecem a açorda ou a sopa de legumes e pensam com mais força nos netos que não vêm há meses. Mas, nem tudo é mau – fiquei a saber pelo Ti Jacinto que se ganha hoje bastante bem a guardar porcos, a Ti Emília ia ter um bisneto novo a qualquer hora e o gato novo da Ti Teresa teimava em querer dormir em cima das couves…
Assim se passaram três dias em passeios, à borralheira da salamandra, em amenas conversas sobre a vida e a ouvir os mais velhos a contar histórias doutros tempos – a melhor foi a do Pepe, a grande estrela do Lusitano de Évora nos anos 50 e que ainda assim jogava à borla com o clube da sua terra. Hoje o Pepe é um industrial de sucesso na região e passou por lá para comer uma azevia.
A grande novidade deste ano foi o choro e riso do meu pirralho a pairar pela casa, enquanto passava do colo da Ti Augusta para o colo da Ti Teresa e logo de seguida para o da Ti Rosa, com todas elas a dizerem embevecidas (e com acentuado sotaque alentejano): “Ah! Está tã bom, benza-o Deus”. Ele, diplomaticamente, ia distribuindo risos de forma equitativa a todas elas.
Ah! E a televisão que é sempre uma revelação nesta quadra. Já não falo da nova e renovada visualização da “Música no Coração”, mas daqueles programas que apenas em família se descobrem – as tardes da Júlia ou mesmo as criancinhas a cantar os êxitos da música popular portuguesa.
A colaborar para este quadro idílico junta-se a ausência de formas de comunicação modernas: as operadoras de telemóvel ainda não acharam necessário colocar uma antena para aqueles habitantes e, apesar de a prima ser uma aldeã moderna, com ADSL montada e colaboradora activa do blog familiar, a Internet teimou em não querer funcionar durante a nossa estadia. Os vírus cibernéticos descobriram o Alentejo profundo…
Por isso, minhas caras co-bloggers - e todos aqueles que, educadamente, vão lendo e comentando os nossos considerandos sobre tudo e nada - não vos pude deixar, atempadamente, neste nosso espaço de confraternização os votos de um Feliz Natal. Faço-o agora com a ajuda do Tom Waits.
Christmas Card From a Hooker in Minneapolis:
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2 comentários:
deleitei-me a passear contigo, por breves instantes, por esse alentejo branco das "tis" nesta quadra natalicía...e, claro, a banda sonora é de primeira água.
Gostei sobretudo do presépio. Gosto deles velhos, saloios e imperfeitos (dos presépios!!). Em minha casa nada de presépios futuristas com o menino Jesus estilizado, sem olhos e sem boca ou feito de arame retorcido...Este ano o meu contou com o alto patrocínio da Belinha que simpaticamente me cedeu as figuras da avó. São figuras como deve ser. De barro, saloias, coloridas e lascadas. Só faltava a vaca que apenas consegui substituir por outro burro...O menino não se há-de importar... Em compensação tem uma ponte, com prata por baixo a fazer de rio. Adeu Natal até para o ano!
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