domingo, 1 de fevereiro de 2009

A vida num contentor


Descobri que afinal existe um lugar onde podemos abandonar à sua sorte as coisas da vida que deixaram de ser úteis e necessárias ao nosso dia a dia. Isto quando a arrecadação não existe, já não é suficiente ou queremos mesmo tais coisas muito, muito longe de nós (e dos outros). Inacessíveis.
Aluga-se um contentor, coloca-se tudo lá dentro, fecham-se as trancas e a única coisa que levamos para casa é um papelito com o registo do depósito. Nem sequer nos temos que procupar em guardar bem a chave que dá acesso aos nossos pertences. Essa, fica a salvo nas mãos dos profissionais que gerem este negócio.
Um serviço muito higiénico. Além de que, pelos vistos nem sequer será assim tão caro...
No armazém, os contentores amontoam-se uns em cima dos outros, devidamente etiquetados com um número. Parece que estão a preparar-se para partirem para terras distantes - Timbuktu, Cairo, o Oriente - em grandes cargueiros; mas não, aqueles não vão a lado nenhum. Estarão ali para sempre. A guardar.
Pensei que tal serviço se poderia estender a outras coisas que todos nós gostaríamos de ver encaixotadas e devidamente arrecadadas. Boas ou más, não estamos a precisar delas todos os dias, mas também não as queremos deitar fora, pois fazem parte da nossa história e são a nossa razão de ser. Ainda assim, mesmo temporariamente, gostaríamos que fossem postas fora do nosso alcance.
«Por favor, gostaria de guardar no contentor 52 os meus medos, doenças e desgostos; no 32 aquelas pessoas de que não gosto; as minhas recordações, vou guardá-las no contento 12. Ah! E os meus registos de contas em off-shore, esses ficam bem guardados, para ninguém ver, no contentor 25»
Olhando para o grande armazém, admitimos como possível que toda uma vida possa estar guardada em cada um daqueles rectângulos trancados.
Só temos de pegar na gambiarra, pedir um monta-cargas e explorar esses mundos perdidos...

4 comentários:

norrin disse...

algumas dessas coisas convém guardar em lugares mais acessíveis... para puder explora-las e partilha-las sem o monta-cargas (a gambiarra é sempre útil).

nomundodalua disse...

Que estranha é esta civilização, não é Soprónia? Inventam-se sistemas económicos, financeiros, bancários, fiscais e, afinal, the state of the art está num contentor.
De refugo!

nomundodalua disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mouche albértine disse...

podemos guardar cabelos e unhas num contentor? e aqueles cordões umbilicais secos que os pais gostavam de envolver em papel vegetal?