quinta-feira, 4 de junho de 2009

Uma achega à poesia

“Um homem pacífico

Estendendo as mãos para fora da cama, Plume admirou-se de não encontrar a parede. “Ora esta”, pensou ele, “se calhar as formigas comeram-na...”, e tornou a adormecer.
Pouco depois, a mulher agarrou-o e sacudiu-o: “Olha, madraço”, disse ela, “enquanto estavas para aí a dormir, roubaram-nos a nossa casa.” Com efeito, um céu intacto espraiava-se por todos os lados. “Bem, o que está feito, está feito”, pensou ele.
Pouco depois, ouviu-se um barulho. Era um comboio que se abeirava deles a toda a brida. “Com tanta pressa”, pensou ele, “há-de chegar com certeza antes de nós”, e tornou a adormecer.
Depois, o frio despertou-o. Estava alagado em sangue. Alguns pedaços da sua mulher jaziam junto dele. “Com o sangue”, pensou ele, “surgem sempre imensos contratempos; se aquele comboio não tivesse passado eu seria muito feliz. Mas, uma vez que já passou...”, e tornou a adormecer.
– Vamos lá a ver, – dizia o juiz – como é que o senhor explica o facto de a sua mulher ter sido ferida ao ponto de a terem encontrado dividida em oito pedaços, sem que o senhor, que estava ao lado, pudesse fazer um gesto para impedir o sucedido, sem sequer se ter apercebido. Eis o mistério. Está aí o cerne da questão.
“A esse respeito não o posso ajudar”, pensou Plume, e voltou a adormecer.
– A execução fica marcada para amanhã. Acusado, tem alguma coisa a acrescentar?
– Desculpe. – disse ele – Não estive a par do assunto.
E tornou a adormecer.”
Henri Michaux

1 comentário:

mouche albértine disse...

nas melhores famílias passa o combóio a toda a brida!!e assim veio a alguns a ideia da cisão do atómo!!!