terça-feira, 21 de abril de 2009

DESLIZES






Hoje no estaminé para onde me dirijo diáriamente à espera do dia 21 houve mudanças, daquelas à séria, que nos levam a rever toda a papelada que durante anos fomos acumulando... e o cotão que no mesmo periodo se foi aninhando por detrás dos móveis...

Já de novo instalada, entendi a razão pela qual a minha alergia piora todas as manhãs, na luta diária com o pó que foi ganhando lugar cativo no meu escritório e na minha vida, como se os aspiradores ou afins fossem máquinas completamente desconhecidas dos « senhores » para quem trabalho....

Foi um dia interessante o de hoje.. o pó, as tomadas colocadas no meio das paredes a fazerem parecer os fios eléctrios e do material informático pequenas estalaguetites e a tolherem-nos os movimentos, como se já não bastassem outras tentativas externas...

Quando, finalmente, conseguira dar ao meu escritório um aspecto limpo, normal e habitável, agradável até ... eis que ao pregar na parede uns amigos do Sócrates ( perdão do senhorio ) duas unhas cansadas de tanta agitação manual não resistiram e levaram-me a recorrer, à pressa, aos serviços da moça brasileira, que inesperadamente, por força de uma história de amor, substituiu a russa, que já era quase minha amiga, e que foi viver, por conta de um toureiro espanhol, para Madrid, na tarefa de transformar em, quase perfeitas, umas modestas unhas pouco dotadas pela natureza.. ( afinal todas temos os nossos pontos fracos )...

No dia prosaico, banal, quase rotineiro, não fora o convivio forçado e revelador com o lixo acumulado sob os móveis, pelo menos há 5 anos, esperava-me um desfecho ainda mais revelador..

Quando cheguei à baiuca das unhas, a brasileira chorava compulsivamente, e a patroa... moça jornalista free lancer, que entre as entrevistas aos actores da moda e aos politicos, gere as estrangeiras ilegais no negócio das nails...tentava, em vão, que a policia chegasse antes que o Manecas desse de frosques....

O Manecas cansado de tanto descanso, à sombra dos chaparros e das azinheiras, sonhou um dia, à hora da sesta, que se tinha estabelecido em Lisboa, e não foi de modas, na mesma tarde, ao acordar, deixou a Vidigueira e veio estabelecer-se no Saldanha...

Desde então, foi ver as madames e as rapariguinhas dos shoppings e dos escritórios das imediações, renderem-se à tarefa rotineira de lhe entregarem todas as manhãs, a troco, primeiro de 50 cêntimos, que a inflação transformou depois em 1€ e sucessivamente em 2€, as chaves dos respectivos automóveis, para que, ao ver aproximar-se o fiscal da EMEL, colocasse dentro de cada veículo, um impresso com a tarifa minima do parquimetro.

As três chaves iniciais transformaram-se em 10, 15, 20... o negócio foi florescendo e o Manecas deixou de ter mãos a medir para tanta chave, tanto parquimetro, tanto talão... e ainda para a garrafa de tintol que passou a ser sua companheira na monotonia dos dias iguais e rotineiros...

Farto da rotina e da confiança das suas clientes, que nunca puseram em duvida o seu zelo, o seu préstimo e a sua eficiência, o Manecas sonhou hoje, depois da sandocha com torresmos e da garrafa de tintol, que conduzia veloz o carro novinho em folha comprado pela brasileira das nails, há meia duzia de dias, e não foi de modas, resolveu tornar o sonho realidade, olvidando, na ânsia de o pôr em prática, que não tinha carta de condução...

Descobriu a chave, entre as 20 ou 30 que tinha, divididas entre as mãos e os bolsos das calças... e se melhor o sonhou, melhor o fez, deslizou, veloz, pela Fontes Pereira de Melo, arrastando consigo quatro carrinhos que se encontravam, despropositadamente, estacionados a dificultar o andamento dos menos incautos...

Pasmou depois com a fragilidade dos materiais que hoje se usam na constução dos veículos... quando deparou com os estragos, ao sair, ileso, do veículo que conduzia...

A custo, conseguiu manter-se de pé e tentou encetar a fuga, mas baralhou-se quando viu perante si, a Fontes Pereira de Melo enevoada e fraguementada em duas, e foi agarrado, enquanto escolhia a rua que devia seguir, pelos populares....


- Lamentamos sotora Belinha, mas hoje não vai ser possivel - desculpou-se a jornalista enquanto limpava as lágrimas da brasileira que estava inconsolável- era um rapaz tão competente e em quem depositávamos tanta confiança - estava sempre bêbado e não tinha carta de condução, mas parecia ser tão bom rapaz.... e sempre poupávamos mais de 200€ por mês....

Voltei para casa com as duas unhas partidas, o pó entranhado na garganta e a cabeça a latejar....


Dei graças quando me estiquei no sofá, sem a estética manual pretendida, mas finalmente descansada e a salvo de mais confusões....

Já estava quase a dormir quando a brasileira das nails me telefonou:

- Cê pode vir amanhã fazer as unhas sotora Belinha?- Já está tudo resolvido.. prenderam ele, o Manecas, o cara para além de não saber dirigir tinha sangue no alcool, é assim que se diz, né? - E agora cê me diz, a quem é que eu vou passar a entregar a chave?

3 comentários:

nomundodalua disse...

Não aguentei tanto riso nos meus pulmões infectados e fiquei meia a hora a tossir.
Quer dizer, contratam o Manecas para fugir à EMEL e depois mandam a polícia atrás dele?
Pode saber-se a marca do carro da brasileira? Sem isso não consigo visualizar a curta-metragem em toda a sua transcendentalidade. Ou seja, se o importante é o facto de o Manecas não ter conseguido vencer o sistema e ter ido parar ao TPIC ou se é a irresistibilidade dos sonhos. Em qualquer caso, é lindo!

Belinha disse...

E veridico, cara amiga lunática....

mouche albértine disse...

gosto do manecas...seria demasiado inumano uma gajo/homem ter tanta chave de carro alheio nos bolsos, olhar para os bólides todos os dias, e não dar uma voltita! ingratas as queixosas!então com o sol que está, se fosse um descapotável!imagina a tua bomba, belinha, a ser conduzida pelo moço, o prazer que ele não teria!e a tua lunarbaby!