quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Congela.Descongela.



Congela. Descongela.

Há aqueles acontecimentos estranhos, como essas chuvas de sapos de que nos fala a Missangas. De repente, de um modo imperioso, a vida parece parar. Cristaliza-se por segundos, horas, dias, sem que nada possamos fazer para que retome o seu ritmo normal. A doença súbita é uma dessas chuvas de sapos que temos que engolir. O corpo colapsa, sabe-se lá porquê, e tudo se concentra na sua imperfeição. E ali estamos nós, mais animais do que gostaríamos, a esperar que o imprevisto seja domável por uns quaisquer químicos que a razão humana nos disponibiliza para afastar a dor da nossa finitude. Também a morte dos outros, Não daqueles que morrem em magotes, num qualquer sítio remoto e exótico do globo, trazidos pelo quadrado luminoso aos lares pacatos à hora do jantar. Falo da morte dos que nos foram, por qualquer razão, próximos. Essa morte incómoda que nos obriga a faltar ao trabalho, mesmo no dia daquela reunião tão importante, e a fazer-nos à estrada para o funesto local onde se agendou o derradeiro adeus. Essa morte do outro que nos impõe, despudorada e urgentemente, que reflictamos sobre a insignificância da nossa própria vida. Vida, as mais das vezes, calendarizada e rotinada numa sucessão insana de actos que jamais nos lembraríamos de incluir numa biografia que, num qualquer acesso de egotismo, nos déssemos ao trabalho de escrevinhar. Há também aqueles acontecimentos-epicentro que irrompem com uma força excludente tal que varre do nosso espírito quaisquer outras coisas ou considerações que não o próprio acontecimento. Lembro-me do acto animal de dar à luz uma criança, dos primeiros, frágeis e etéreos dias em que se vela essa nova vida, da sensação avassaladora da paixão a irromper dentro do peito ou da urgência física do prazer. Falo, não sei bem porquê, destas pequenas paragens no tempo a propósito da chuva de sapos. Como naqueles hotéis cápsula japoneses para dormir a sesta, também nós, por vezes, somos confrontados com a necessidade inadiável de parar no lugar de uma dia ou hora normais que nada faria prever diferentes dos demais. E ali ficamos, especados, “como à espera do comboio na paragem do autocarro”, seja essa paragem mais ou menos aprazível, ali ficamos congelados por uns instantes. «Congela. Descongela», lembram-se do jogo de crianças?!

Sem comentários: