segunda-feira, 16 de março de 2009
O gosto dos outros.... e o do Joãozinho
Fora sempre um miudo demasiado observador... Aos três anos já olhava, deliciado, para o decote generoso da tia Alzira, que de tão generoso quase não conseguia sustentar o par bambuleante que ocultava e que se rendia à tentação da liberdade, quando a tia se baixava para o beijar....
O Antigo Regime, contudo, atrofiou-lhe o sentido de observação, quando, ao entrar para a Escola Primária, em 1971, o obrigou a conviver durante três anos consecutivos, apenas com rapazes, e com a velha D. Gertrudes, que não se rendera ás liberdades dos anos 60 - pelo menos exteriormente... afirmava-se a pés juntos que mantivera, durante muito tempo, e quando o marido ainda era vivo, um caso com o pároco da aldeia, iniciado durante a confissão, mas nunca ninguém o conseguiu provar -, e que ocultava as pernas, sob a saia que descia até ao tornozelo, e o peito, debaixo da camisa de laçada que subia até ao pescoço, e que se benzia sempre que na rua se cruzava com alguma saia, que não cobrisse o joelho, das pernas a que se sobrepunha...
A D. Gertrudes tinha pouco mais de 1,50m, era franzina, e raramente esboçava um sorriso... mas os olhos do Joãozinho viram nela uma deusa...
O Joãozinho perdeu, assim, o seu sentido de observação.. e três dos seus anos de vida entre contas e tabuádas... e a olhar para o cabelo liso, sobre os ombros da D. Gertrudes, que muitas vezes era desviado do rosto, num tótó ou carrapito...raiados de branco...
O Antigo Regime e a D. Gertrudes atrofiaram o gosto e o sentido critico do Joãozinho, que, durante três anos, viu naquela a sua referência de beleza...
Quando no ano lectivo de 74/75, a Revolução levou para a Escola onde andava um grupo de miudas, o Joãozinho tinha já, o seu gosto relativamente a mulheres, irremediávelmente, estragado, e nem a miuda loira de doces olhos verdes, que se passou a sentar ao seu lado... nem a morena de olhos grandes que lhe sorria de soslaio da carteira do lado, lhe conseguiram apagar a memória daquela que fora a sua primeira referência....
No liceu, Joãozinho recusou várias vezes o convite para sair da miuda mais gira, que veio depois até a ser eleita Miss Portugal, e na Faculdade, dizem que chegou a ter uma paixoneta pela professora de Direito Penal, que lhe fazia lembrar a velha D. Gertrudes...
O Joãozinho casou já os anos 90 iam avançados, com a colega mais feia do escritório onde, começara por estagiar, e trabalhava... « quase um retrato fiel da D. Gertrudes », balbuciou a tia Alzira, enquanto ajeitava a dentadura, quando, numa tarde de sol, lha apresentou no Jardim da Estrela...
O Joãozinho nunca apreciou, a seu tempo, a Pamela Anderson, a Kim Besinger, a Claudia Schiffer, a Angelina Jolie, a Mónica Belluci, a Scarlet Johansson .... e continua ainda hoje a afirmar que a D. Gertrudes sempre foi mais bonita do que qualquer delas ...e que todas aquelas não passam de fenómenos de produção criadas apenas para gaudio dos machistas que não sabem apreciar a verdadeira beleza numa mulher....
Joãozinho continua a apreciar, sem machismos, a beleza singular da sua Manuela... a quem proibiu de pintar o cabelo, usar decotes e pintar as unhas de vermelho....
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1 comentário:
Às vezes (nem sempre!) as D. Gertrudes conseguem ter encantos que escapam às Pamelas, às Claudias e às Jolies...Será que as laçadas ao pescoço e as saias por cima do joelho fazem crer que por baixo haverá um tesouro por desvendar? Sem querer, simpatiza-se com o Joãozinho...
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