terça-feira, 18 de novembro de 2008


«Intento ser, à minha maneira, um estóico prático, mas a indiferença como condição de felicidade nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que procuro obstinadamente o sossego do espírito, certo é também que não me libertei nem pretendo libertar-me das paixões. Trato de habituar-me sem excessivo dramatismo à ideia de que o corpo não só é finível, como de certo modo é já, em cada momento, finito. Que importância tem isso, porém, se cada gesto, cada palavra, cada emoção são capazes de negar, também em cada momento, essa finitude? Em verdade, sinto-me vivo, vivíssimo, quando, por uma razão ou por outra, tenho de falar da morte…»


José Saramago, in Cadernos de Saramago


Desculpem a tónica ultimamente recorrente nos velhos e gastos temas da morte, da doença e da paixão. Mas esta minha perna doente e a condição de acamada remetem-me invariavelmente para eles. Apesar da imobilidade também a «parte esquerda do peito explode». Por isso ao ler no blogue do Saramago estas linhas não pude deixar de me identificar . Também eu, como a Soprónia, procuro alguns ensinamentos nas culturas orientais. Para além da prática - agora interrompida - do yoga, agrada-me a cultura de um certo desapego, por forma a evitar o sofrimento das "paixões" ( no seu sentido mais lato de sensações causadas pelos sentidos). Mas esse exercício de desapego vejo-o, no essencial, como um plano de fuga possível sempre que as emoções me devoram a racionalidade.O que realmente me move e comove, porém, são as emoções. Cultivo, pois, conscientemente, a ilusão quotidiana de que importamos e de que cada pequeno gesto tem um qualquer significado oculto na existência . Não me deixo levar pela cultura do karma-Cola que deixa alguns ocidentais à beira de ataques de nervos em plenas aulas de yoga ante a constatação da incapacidade da prática contemplativa numa sala de 20 m2 em pleno Bairro Alto. Pois é, caro mestre Nuno, devagar é uma palavra dificil de encontar no meu dicionário. É que a percepção da eminência da morte dá-me cá umas ganas de viver, de amar, de sentir, de comer, de beber...

5 comentários:

Anónimo disse...

"Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia."
Albert Camus, O Mito de Sísifo

mouche albértine disse...

Caro Zorro, eu que sempre vi o suicídio como um vestido de cerimónia preto que trago à ilharga suspenso num cabide iamginário, devo-te dizer que, sempre que adoeço, fico, como Falstaff, com um "apego gordurosa á vida". Quem era o filósofo grego que dizia que " o homem vulgar vive enquanto pode, o homem superior vive enquanto quer"?Pois viva a vulgaridade...

Belinha disse...

Pois eu, amigos ( não sei quem és zorro, mas admito que sejas bom rapaz, e ouso tratar-te assim ) que sou uma moça que gosta de simplificar, só vos digo que só os fortes, os muito fortes, conseguem viver com a mesma alegria todos os momentos da vida - os bons e os maus.
Os problemas, as doenças, a morte -dos que nos são próximos - ajuda-nos sempre a relativizar e a dar valor a tudo o que de bom a vida tem... e também a reconhecer o quão efémera é para que a percamos com ódios, desavenças, mesquinhez...

Que me desculpe esse tal filosofo, nas o suícidio não é dos superiores, mas dos fracos....

Anónimo disse...

primo levi sobreviveu a auschwitz e suicidou-se 40 anos depois. fraco? duvido.

Belinha disse...

Eu não duvidaria meu caro dotore...Os fortes também se cansam de o ser e têm os seus momentos de fraqueza... Na vida nada é constante ou é?