sexta-feira, 21 de novembro de 2008

manifesto anti-eugénico







Li para aí na semana passada que os senhores que mandam na Europa, sensibilizados pela crise alimentar, autorizaram o regresso aos mercados dos velhos legumes e frutas não normalizados. Para aqueles que adquirem os seus géneros alimentares nas grandes superfícies tal significa que vão voltar a ver , no lugar das maçãs estilizadas, modelo branca-de-neve, e dos legumes standard playmobil, os velhos e nodosos legumes e frutas irregulares a amontoarem-se caótica e desorganizadamente nas formas geométricas e regulares dos contentores de plástico. Adivinho os nervos que isso vai provocar nos adeptos ferranhos das linhas direitas e vidas depuradas quando os pobres dos vegetais rolarem desajeitados para o chão!
Já se ouvem, parece, vozes discordantes que temem que as anomalias leguminosas e frutíferas dos países periféricos invadam o espaço dos civilizados mercados europeus, optando os consumidores - na mira da poupança do vil metal, não por qualquer razão estética ou ética- pelos primeiros.
Congratulo-me com o regresso dos ditos disformes. Aliás, no que me diz respeito, não se trata propriamente de um regresso porque nunca deixei sair os ditos cujos da minha cozinha, e esses produtos perfeitinhos e lustrosos nunca convenceram esta mosca céptica e provinciana que sempre lhes disse «vá de retro satanás», «produtos do demo» e outras expressões do género.
A propósito do regresso ao anormal como algo de aceitável, ou a talhe de foice como se usa dizer no campo, tenho reparado que a malta urbana, na geração dos trinta e tal, anda toda numa lufa-lufa de normalização, procurando, para a tarefa, a ajuda dos benfazejos e afortunados psicoterapeutas na esperança de ingressar, custe o que custar, nos moldes eugénicos e pré-definidos da boa psicologia humana. Estes senhores, diz-se, ajudam a normalizar as mentes algo conturbadas das gentes, diagnosticando-lhes ou despistando, invariavelmente, desvios de personalidade vários, como as bi-polaridades (os antigos maníaco-depresivos), histrionismos, sóciopatias , esquizofrenias, e outras perturbações afins, mais ou menos graves, mais ou menos curáveis, mas sempre indesejáveis. Tenho constatado, com alguma estupefacção, que me rodeio, com alguma recorrência, de amigos e amigas que se incluem no rol dos desviados.Gostaria de saber, afinal, qual é o modelo de humanidade normalizada a que se aspira. Alguma amiga psicóloga voluntariosa me poderá dizer ? Antevejo, neste mundo arquétipo perfeito uma existência de gentes, legumes e frutas irrepreensivelmente plastificados, normalizados, standardizados e, confesso, que não me vejo a habitá-lo.
A propósito das imperfeições e dos seus encantos e virtudes, lembro-me sempre daquelas belezas aborrecidas de tão previsíveis ou dos tapetes persas cuja autenticidade é confirmada através de um defeito propositadamente fabricado... pronto, sim, poderíamos agora falar das crianças que cegam aos 10 anos para fabricar esses belos tapetes, mas agora não, não estou para aí virada.



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