quinta-feira, 27 de novembro de 2008

MUMBAI


Foi há poucos meses que descobri que Mumbai era Bombaim, uma cidade na longínqua e, para mim, desconhecida Índia. Guardei o nome na minha fraca memória. Lá ficou numa gaveta do meu cérebro para uma qualquer eventualidade. É importante saber onde ficam os sítios. É uma questão de respeito pelos outros povos. Na altura, não era mais do que isso.

No Domingo, a ida do F para Mumbai também não era mais do que uma normal viagem de negócios. Lá ia, mais uma vez, o meu marido para a Índia e, com certeza, regressaria com novas histórias e peripécias que me contaria animado. No dia seguinte, disse-me ao telefone que estava hospedado no hotel Taj Mahal. Decorei o nome por razões óbvias e continuei, descansadamente, a minha vidinha. Que importância tinha que fosse aquele hotel ou outro qualquer? Se era luxuoso ainda bem. A comida seria boa, a água potável e a probabilidade de apanhar maleitas seria menor. Estava tudo bem.

Era chato ter que fazer aquele voo interno na terça-feira para Bangalore. Voos domésticos na Índia...Seria seguro? Imaginava uns velhos aviões, comprados em terceira mão e recauchutados, a voarem por milagre de algum santo híndu...

Era manhã em Lisboa e o F chegara bem a Bangalore. Os santos híndus tinham funcionado! Obviamente, também lá estariam na volta para Mumbai na quarta-feria.

Quarta-feira, 17h em Lisboa, o F telefona. Chegara bem de Bangalore mas não podia ir para o hotel Taj (onde deixara todas as suas coisas). Parece que havia lá um tiroteio. Não demos grande importância ao que estava a acontecer. Com certeza seria um pequeno desacato que as autoridades indianas se apressariam a controlar e o mundinho perfeito dos ocidentais na Índia voltaria a ostentar o seu luxo habitual. A Índia faminta, pobre e violenta retrocederia para as ruas sujas, de onde nunca deveria ter ousado sair, e os europeus continuariam a comtemplá-la do seu aquário perfumado e intocável. Voltariam para os seus países encantados com tão pitoresco local. Comentariam o quão chocados se sentiram com a pobreza que presenciaram, sobretudo com as crianças! Havias de as ver, coitadinhas...

Não foi assim. A Índia partiu mesmo o vidro do aquário e irrompeu violenta, manchando de sangue os salões perfeitos do luxo estrangeiro, numa ira descontrolada.

O F estava, novamente, ao telefone. Estava num carro no meio de Mumbai. Via ruas barricadas, pessoas alvoraçadas, carros de bombeiros, sirenes e o trânsito estava parado. Afinal aquilo era mais sério do que se pensava. Diziam-lhe que havia tiros nas ruas e explosões em várias zonas da cidade. Ía para outro hotel no norte da cidade onde esperava estar a salvo. É lá que está neste momento. O dia amanhece em Mumbai. Espera-se que a ira da Índia já esteja aplacada e a fome de morte saciada, pelo menos, até uma próxima vez, que as haverá, com certeza.

Neste momento agradeço aos santos híndus a viagem a Bangalore do F. Ainda há reféns no Taj e nenhum é o meu marido.

Em Lisboa comovo-me com os amigos verdadeiros, os que telefonam preocupados e os que me visitam e fazem com que este momento difícil se pareça com uma noite entre amigos com uma garrafa de vinho. E há, ainda, a querida Mosca Albertina, que desaustinada, trás o pijama vestido por baixo do casaco e me mostra, sorridente, as calças de riscas coloridas a aparecer por entre os botões do sobretudo...Que bom é conhecer-vos!

8 comentários:

suprónia insuflávia disse...

Bombaim é uma cidade bonita e perigosa. O café Leopold, para além de um bom sítio para uma cerveja ao fim de um dia de passeio, pelos vistos também abriga terroristas...
Foi uma noite de grande preocupação para todos nós amiga. Foi um conforto saber-te rodeada de amigos. Felizmente tudo acabou em bem. Aguardo o regresso de F à União Europeia - esse sítio aparentemente mais organizado, mas nem por isso tão seguro- são e savlo e a sua ida à Tailândia.

nomundodalua disse...

Uma explosão é uma saída violenta de partículas comprimidas.
Explodem-se bombas e explodem-se amizades, às vezes ao mesmo tempo.

Belinha disse...

Por vezes momentos como este podem servir para consolidar amizades e ... amores... e demonstrar que a vida é o mais importante... e nela os afectos...verdadeiros

Anónimo disse...

ensaio sobre a cegueira: an eye for an eye makes the whole world blind. estes homens não são o gandhi.

missangas disse...

O F Já está em Londres. Só falta agora rebentar uma bomba no metro de Londres!!!

Sim, é pena que hoje em dia estes grupos optem pela luta armada em vez da greve de fome de Ghandi que punha os cabelos em pé à realeza britânica...

Anónimo disse...

É tão bonito quando a revolução não nos suja o tapete.

missangas disse...

É, não é?

Anónimo disse...

É. E melhor quando eles ficam quietinhos em greve de fome e de pacifismo desarmado de forma a não nos azedar o chá.