domingo, 29 de março de 2009
Loucuras numa tarde de vento e sol
- O Sr. Dr. acabou de chegar. Faça o favor de entrar!
Ainda tentou balbuciar que a consulta não era para si, que estava ali apenas para fazer uma marcação.... mas a mulher estava demasiado apressada e tinha demasiadas certezas para perder tempo com divagações.
- Entre e deite-se nessa chaise longue. O Sr. Dr. vem já. Talvez seja melhor descalçar-se. Vai ver que vai ajudar.... Pouse a mala... O Dr. não quer que nada a perturbe ou distraía....
- Mas....
- Tire também o casaco...
- Eu....
- Vou correr a persiana...- Está nervosa? O Dr. vem já - disse continuanado sem lhe prestar a devida atenção antes de sair e bater com a porta - espero não ter de lhe dar um sedativo.
Olhou em seu redor... na sala ampla encontravam-se apenas, para além da chaise longue,uma poltrona, uma secretária e um cabide. Não existiam candeeiros, quadros ou quaisquer elementos decorativos... Sobre a secretária duas velas exalavam um cheiro a magnolia e jasmim....
Descalçou os sapatos, deitou-se na chaise longue... os ultimos dias haviam sido muito cansativos... primeiro aquele reencontro inesperado no supermercado, entre os escaparates dos bifes de peru e a banca dos enchidos, a reportá-la há mais de 20 anos atrás, quando aquela voz doce ainda ecoava no seu coração, depois as confissões, também inesperadas de uma amiga numa noite de insónia.... e por fim aquele pedido de ajuda a requerer uma intervenção imediata....
Deitada deixou que a paz e os cheiros lhe inebriassem os sentidos...
..........
No pequeno restaurante do Alentejo profundo os sorrisos misturavam-se com o cheiro a tomatada e a migas com entrecosto. Pincelou, abundantemente, as pernas de frango com molho picante, distraídamente, enquanto embebia o arroz no molho de tomate...
Lá fora o vento soprava dispersando a areia desde a praia até ás ruas vizinhas...
- Posso servir-lhe uma sobremesa? - perguntou o empregado, por detrás de uns oculos fortemente graduádos, enquanto ajeitava o rabo de cavalo e piscava o olho - aconselho-lhe o Molotof com os ovos caseiros.
Recusou distraídamente, a pensar na dieta e nos dias de praia que se avizinhavam...
- Permita-me então que lhe dê o meu número de telefone, para quando quiser encomendar ovos caseiros para o Molotof.. quando precisar de adoçar a sua vida é só ligar....
Olhou de relance o Molotof por detrás da vitrine, no qual pousavem duas moscas teimosas, que depois se debatiam no pegajoso doce de ovos que as colava ás claras.... quase tão pegajoso como o empregado com sotaque alemão que continuava a sorrir e lhe oferecia um pão de ló, doce e fofo, para a viagem...
......
Quando a porta se abriu, continuava deitada, sem ter a certeza de ter sonhado ou apenas deixar a mente acompanhar a imaginação....
Sentiu uma presença atrás de si... e depois pequenos passos, curtos e suaves, que atingiram a poltrona ao lado da secretária....
Continuou rendida à indolência..que inesperadamente e contra os seus objectivos, a fizera deitar na cadeira onde se encontrava....
Manteve-se a olhar fixamente um ponto ao acaso no seu angulo de visão...
- Boa tarde- a voz que vinha detrás de si tinha um sotaque alemão...
Virou-se...E viu então um homem com oculos de grossos aros, fortemente graduados e com o cabelo apanhado num rabo de cavalo, que a encarou.
- Sempre vai fazer o Molotof? Escusava de ter vindo cá buscar os ovos... bastava tê-los encomendado pelo telefone... eu teria ido levá-los com muito prazer... e comeriamos juntos o doce... de ovos....
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5 comentários:
Molotof e vento. Coisa estranha que nos aconteceu hoje!
essa estória contada do ponto de vista do molotof seria muito, mas muito mais, interessante.
O malandro não teve tempo para escrever... ficou numa orgia com as moscas....
ai, lá estão vocês a denegrir a fama das moscas...abomino molotof, tal como "o doce da casa", o maior logro gastronómico da falta de imaginação culinária do nosso país!
A molotof não tinha moscas. Eu vi! E ainda bem que não gostas, mosca, mais sobra para mim. Adoro logros gastronómicos com ovos moles!
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