sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

vinicius e a beleza

a propósito do belo e boémio poeta vinicius, irmão de todos os amantes e poetas, poetinha alcólatra, fogo cantabile que aquece os corações mais empedrenidos:

6 comentários:

Anónimo disse...

"O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.",a propósito de outros vícios, hoje de gatas à volta dos gatos,
"se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só te sonhar me morro de aflição"
se um dia, Alberto Raposo Pidwell Tavares

mouche albértine disse...

belo esse poema!obrigada pela apresentação do raposinho...um amplexus para o plex que tem trazido boa poesia ao blogue e, se gosta de vinicius, para além de poesia brincalhona, é, por certo, boa alma!

mouche albértine disse...

sa«No regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência.»

sobre os amigos que vão perdendo o viço com a voragem do tempo. também do raposito mais conhecido pelo nome anda-luz. o nosso plexuba gosta de poesia, pois, então aqui vai um poema em forma de "perfume insensato" para anima-r a alma, passe a redundância

Anónimo disse...

Sobre o poema
«Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.»
H.H., destruidor/criador, conterrâneo do rabujador do farilhão e do pontapeador de cauchu, ou o que fazer quando o que arde é esta magnificência idólatra que a alma revive.

mouche albértine disse...

A faca não corta o fogo

«Se do fundo da garganta aos dentes a areia do teu nome,
se riscasse com a abrasadura, se
em cima e em baixo mexido às escuras,
o forno com a mão a ver se ela podia
que uma púrpura em flor fosse até ao coração,
unhas e tudo,
que estremecesse, não por dito mas sabido
contra ti, e por artes
antigas trazer o ar, fazer uma
iluminação:
mudar o mundo para que o nome coubesse,
vivaz, tocado, fértil,
houvesse um dom inseparável, música, verbo:
se eu pudesse, se a terra
se atrasasse,
se pudesse em amarga língua portuguesa com o teu nome em qualquer
parte,
para eu mesmo riscar contra ti,
raiar contra ti,
sob
serapilheiras de sangue»
id.

porque a poesia pode cortar fogos ou ateá-los. porque a poesia pode cortar pulsos ou erguê-los em revolta como hastes de flores. porque a poesia apenas cria a ilusão de cristalizar o tempo. porque me apeteceu, agora, agradecer-te as palavras do moço de farilhão com outras da mesma língua.

Anónimo disse...

obnubilado pela "pendulãncia" dos dias, furtou-se-me essa naifada do inominável mestre. poesia, esgotado: talvez com ela se sentem à mesa, a arder, mas duvido que o combustível necessário exista. uma confissão: os passos em volta, o livro que mais perdi. uma "espécie de contos" acessível...essa, a intenção forjada... a todos os passageiros que nem sequer pela janela ousaram querer ver os comboios que vão para antuérpia, um silêncio. um vôo low-life cost escolheram. tão cómodo. é terrível a poesia. queimam-se palavras para suster a alma-essa urdidura dos fracos.